Por Egle Leonardi
Você é cúmplice das fake news? “Nossa! Que incrível essa notícia que colocaram no grupo! Acho que meu amigo também vai adorar! Vou mandar para ele”.
Se você se identificou com essas ideias, saiba que o perigo chegou até você e irá se disseminar por muitos de seus amigos e pelos amigos dos seus amigos…independentemente de o conteúdo compartilhado ser verdadeiro ou não! E você, que participou dessa corrente, infelizmente é mais do que responsável pela fake news (notícia falsa, em inglês). Se não checou a informação, você é cúmplice desse erro!
Gostaria de pedir licença ao leitor e dar um depoimento pessoal. Faço parte da equipe de jornalismo do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado farmacêutico há quase seis anos. No entanto, antes disso já era jornalista especializada no segmento farmacêutico. Venho deparando as mais diversas informações falsas que, acreditem ou não, são criadas com interesses distintos, sejam eles econômicos ou políticos.
Quer um exemplo? Ao contrário do que muita gente imagina, a OMS nunca recomendou no Brasil uma quantidade de farmácias para um número específico de cidadãos. Importantes entidades da classe, como o Conselho Federal de Farmácia (CFF) e diversos CRFs publicam em seus veículos impressos e digitais a falsa recomendação da OMS de o estabelecimento de uma farmácia para cada 8 mil habitantes. Essa informação já foi desmentida pelo responsável de imprensa da OMS, Luis Sardenbergue.
Além disso, outros profissionais e veículos do setor acabam usando essa informação em suas obras, como no livro de Cassyano Correr, intitulada A farmácia comunitária no Brasil e o Portal Panorama Farmacêutico. Para ir mais longe, vale citar até mesmo a Fiocruz e o Conselho de Medicina. Há ainda a Revista Exame (induzida a erro em matéria sobre a Raia Drogasil). Vale dizer que todas as matérias citadas estão devidamente linkadas, caso o leitor decida pesquisar. A informação final foi checada em 8 de outubro de 2018.
Ao pesquisar essa informação no mecanismo de busca do Google, percebe-se que muitos profissionais divulgam o dado como verdadeiro. Confira os resultados na imagem abaixo:
Claro que isso é a minoria! A grande maioria das fontes desse segmento tem o objetivo de disseminar a verdade e o conhecimento para oferecer benefícios e contribuir com o desenvolvimento do setor farmacêutico.
Para separar o joio do trigo, eu, Egle Leonardi, enquanto jornalista, checo todas as informações logo na base. Esse é o fundamento de minha profissão. Eu não deixaria passar para o leitor um dado incorreto ou inverídico, porque sei que isso, além de denegrir minha imagem e credibilidade, poderia interferir seriamente na vida de outras pessoas. Essa é minha responsabilidade…mas deve ser a sua também!
A repórter especializada em saúde, Claudia Colucci, assina uma respeitada coluna no jornal Folha de S.Paulo. Ela diz que a responsabilidade de um jornalista especializado na área de saúde é muito grande, ou deveria ser. “Avalio que atualmente temos muitas reportagens irresponsáveis, que vendem para o leitor uma falsa realidade. Por exemplo, quando tratam de resultados de pesquisas experimentais, feitas com camundongos, como se fossem aplicáveis aos humanos”, critica a jornalista.
Ela diz que 99% desses estudos não vão dar em nada. Do ponto de vista da ciência básica eles são muito importantes, mas, para a vida real, há um longo caminho, ou às vezes, nem caminho haverá, porque o estudo se encerrará na bancada do laboratório: “Muitas matérias também supervalorizam os benefícios e escondem os eventuais riscos de um novo tratamento. Por isso, é preciso atenção para os conflitos de interesse envolvidos na divulgação de determinada reportagem, além de ouvir fontes isentas”.
E você? Como lida com a notícia falsa?
O farmacêutico, mestre em Farmácia, consultor e professor universitário, Cristiano Ricardo, destaca que a divulgação de informações corretas precisa estar sempre presente no código de ética profissional, independentemente da área de atuação.
“Quando nos identificamos como farmacêuticos, somos vistos como agentes de educação em saúde, então, temos obrigação de contribuir e compartilhar informações corretas e apontar dados discrepantes ou questionáveis, especialmente quando identificamos as fake news”, comenta ele.
Uma notícia falsa, normalmente, segue um mesmo padrão. Para Ricardo, na maioria dos casos, é fácil desconfiar quando os títulos das mensagens são muito chamativos ou catastróficos, quando há algumas exclamações no texto ou no áudio, quando o material diz que há um segredo que ninguém contou até agora e que precisa ser compartilhado. “Isso já me obriga a tratar a mensagem como fake. Conforme o tempo disponível, eu investigo ou apenas respondo ao autor – ou a quem compartilhou – que se trata de uma nota inconsistente”, alerta o farmacêutico.
No caso da jornalista, ela defende que fake news não sobrevivem a uma boa checagem da fonte primária: “Com a experiência de mais de 15 anos no jornalismo de saúde, e conhecendo a fundo a área, é muito fácil distinguir o falso ou mesmo o marketing atrás do que vende como notícia”.
Basta uma rápida pesquisa. Em saúde, notícias falsas são ainda mais temerosas. Podem fazer com que aumente o número de pessoas doentes por falta de vacinação ou pelo uso inadequado de medicamentos ou outras substâncias e, infelizmente, até mesmo levar a óbitos.
Ela exemplifica, dizendo que uma simples busca com o termo ‘tratamento de câncer’ no Google, por exemplo, resulta em mais de quatro milhões de páginas de artigos e sites sobre o assunto. No YouTube, há uma infinidade de vídeos sobre a origem e a cura de inúmeras doenças – todos sem comprovação.
Não era só uma brincadeira
Há os que digam: “eu compartilhei…era somente uma brincadeira…ninguém vai acreditar nisso”. Vai sim! As pessoas acreditam no que foi compartilhado e dissipado por meio das redes sociais e aplicativos de mensagem, e acabam assumindo uma mentira como verdade.
“Notícias falsas sobre saúde contribuem para que os pacientes deixem de ter credibilidade nas classes médicas e científicas. As pessoas tendem a não procurar informações em fontes confiáveis, como sites de instituições governamentais e de saúde. E, mesmo quando procuram, podem acabar acreditando que as vias alternativas e falsas são as ideais. E não são”, dispara Claudia.
O tema é tão sério que uma das maiores organizações de comunicação nacional lançou um programa intitulado Fato ou Fake. O intuito é alertar os brasileiros sobre conteúdos duvidosos compartilhados pela internet ou por aplicativos de mensagem no celular, esclarecendo o que é notícia (fato) e o que é falso (fake).
Dessa forma, os profissionais farão a checagem constante para identificar informações suspeitas. Participam da apuração as equipes de jornalismo dos veículos G1, O Globo, Extra, Época, Valor, CBN, GloboNews e TV Globo. A ideia é juntar forças entre as diversas redações para verificar mais rápida e facilmente o teor de cada informação.
Para aumentar a amplitude do programa, também está sendo disponibilizado um ‘robô’ no Facebook e no Twitter que responderá o que é falso ou verdadeiro, caso o assunto já tenha sido verificado pelos jornalistas daquela empresa.
Combate à desinformação
O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) lançou, no final de agosto, o guia Internet, Democracia e Eleições, com o objetivo de incentivar o combate à desinformação, servindo como referência a gestores públicos, empresas e cidadãos. Serve em época de eleição, mas é uma iniciativa que deve ser considerada em diversos temas que impactem a vida do cidadão.
“As pessoas precisam desconfiar do que é espetacular, mesmo que corrobore sua visão de mundo”, afirma o conselheiro do CGI.br e coordenador do Grupo de Trabalho Internet e Eleições, Sergio Amadeu. Ele destaca que é fundamental distinguir a diferença entre a opinião sobre algo e o fato em si: “Não use a mentira para reforçar sua opinião”.
A CGI.br tem a atribuição de estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet no Brasil. Também promove estudos e recomenda procedimentos para a segurança, e propõe programas de pesquisa e desenvolvimento que permitam a manutenção do nível de qualidade técnica e inovação no uso da rede.
O Ministério da Saúde (MS) também entrou na briga. Para combater as fake news sobre saúde, o órgão está disponibilizando um número de whatsapp para envio de mensagens da população, criado exclusivamente para receber informações virais, que serão apuradas pelas áreas técnicas e respondidas oficialmente se são verdade ou mentira.
Qualquer cidadão poderá enviar gratuitamente mensagens com imagens ou textos que tenha recebido nas redes sociais para confirmar se a informação procede, antes de continuar compartilhando. O número do whatsapp do MS é (61) 99289-4640.
Desconfie de tudo
Alguns assuntos até podem ser motivo de chacota para os profissionais de saúde, mas a população leiga nem sempre tem a informação e o discernimento para separar o que procede e o que deve ser combatido como fake news.
As primeiras respostas já podem ser checadas na página do MS, pelo link http://portalms.saude.gov.br/fakenews. Lá já foram desmascaradas diversas notícias que circularam nas redes sociais sobre a área de saúde.
De qualquer forma, é responsabilidade de cada um rebater e desmentir as informações suspeitas. Veja alguns exemplos de fake news que circularam nas redes sociais e mensagens. Todos já foram desmentidos:
- Coletes de agentes endêmicos de controle da dengue teriam sido roubados e estariam sendo usados para furtos;
- Vacina anticâncer teria sido lançada;
- Bananas conteriam vírus HIV;
- Glândula da próstata traria efeitos positivos na saúde dos homens;
- Teriam sido encontradas superbactérias nos feijões;
- Nova dipirona importada da Venezuela conteria vírus marbug,
- Vacina MMR, que protege contra sarampo, rubéola e caxumba, causaria autismo;
- Paracetamol estaria infectado com o vírus machupo;
- Em Moçambique: paracetamol estaria infectado com o vírus ebola;
- Receita caseira (com hortaliças e frutas) seria capaz de proporcionar imunização contra a febre amarela e, por isso, ninguém deveria tomar a vacina;
- Vacina contra gripe H1N1 conteria altas doses de mercúrio;
- Vacina contra HPV teria sido proibida no Japão pelos sérios efeitos colaterais.
“Precisamos nos unir contra a fake news. Acredito que uma notícia falsa na área da saúde precise ser tipificada como crime contra a saúde coletiva. O serviço de segurança pública e a ABIN precisam estabelecer métodos para localizar, identificar e punir essas pessoas”, defende o farmacêutico Ricardo.
Os farmacêuticos, como linha de frente no contato com as pessoas, precisam estar preparados para tirar dúvidas, identificar fakes news e emitir sua opinião. “Essa é uma função que não apenas os farmacêuticos devem assumir, mas a totalidade das profissões em saúde”, conclui ele.
Dicas para identificar notícias falsas
- Seja cético com as manchetes. Notícias falsas frequentemente trazem manchetes apelativas em letras maiúsculas e com pontos de exclamação. Se alegações chocantes na manchete parecerem inacreditáveis, desconfie.
- Olhe atentamente para a URL. Uma URL semelhante à de outro site pode ser um sinal de alerta para notícias falsas. Muitos sites de notícias falsas imitam veículos de imprensa autênticos fazendo pequenas mudanças na URL. Você pode ir até o site para verificar e comparar a URL de veículos de imprensa estabelecidos.
- Investigue a fonte. Certifique-se de que a reportagem tenha sido escrita por uma fonte confiável e de boa reputação. Se a história for contada por uma organização não conhecida, verifique a seção “Sobre” do site para saber mais sobre ela.
- 4. Fique atento a formatações incomuns. Muitos sites de notícias falsas contêm erros ortográficos ou apresentam layouts estranhos. Redobre a atenção na leitura se perceber esses sinais.
- Considere as fotos. Notícias falsas frequentemente contêm imagens ou vídeos manipulados. Algumas vezes, a foto pode ser autêntica, mas ter sido retirada do contexto. Você pode procurar a foto ou imagem para verificar de onde ela veio.
- Confira as datas. Notícias falsas podem conter datas que não fazem sentido ou até mesmo datas que tenham sido alteradas.
- Verifique as evidências. Verifique as fontes do autor da reportagem para confirmar que são confiáveis. Falta de evidências sobre os fatos ou menção a especialistas desconhecidos pode ser uma indicação de notícias falsas.
- Busque outras reportagens. Se nenhum outro veículo na imprensa tiver publicado uma reportagem sobre o mesmo assunto, isso pode ser um indicativo de que a história é falsa. Se a história for publicada por vários veículos confiáveis na imprensa, é mais provável que seja verdadeira.
- A história é uma farsa ou uma brincadeira? Algumas vezes, as notícias falsas podem ser difíceis de distinguir de um conteúdo de humor ou sátira. Verifique se a fonte é conhecida por paródias e se os detalhes da história e o tom sugerem que pode ser apenas uma brincadeira.
- Algumas histórias são intencionalmente falsas. Pense de forma crítica sobre as histórias lidas e compartilhe apenas as notícias que você sabe que são verossímeis.
Fonte: Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI)
Matéria desenvolvida para o Portal de Notícias do ICTQ.
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